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tramas I recortes [paisagens possíveis]

Tramas | Recortes – [Paisagens Possíveis] se apresenta como uma exposição de singular complexidade crítica e poética, processando uma investigação que transcende a mera representação paisagística para penetrar lugares fraturados da memória coletiva, da identidade cultural e das violências históricas que ainda reverberam no presente. Em um conjunto de trabalhos que se desdobram da xilogravura tradicional às intervenções urbanas, o artista constrói uma narrativa visual que questiona os modos de ver, apreender e representar paisagens, em várias linguagens. Na série "Paisagens Possíveis", Gavina propõe uma sobreposição crítica de temporalidades através da xilogravura, ao justapor sua própria visão da Ilha de Santa Catarina Florianópolis, às representações históricas de viajantes como Jean-Baptiste Debret e Louis Choris, expondo as formas de construção da paisagem como discurso ideológico. A escolha da xilogravura como técnica central, tradicionalmente associada à cultura popular brasileira, assume uma função descolonizadora, em contraposição às técnicas nobres empregadas pelos artistas viajantes do século XIX. A menção aos nomes históricos da Ilha de Santa Catarina, Florianópolis, antiga Desterro e mais antiga Meiembipe, nome dado pelos Carijós,"montanha ao longo do mar", revelam uma concepção não linear do tempo histórico, onde diferentes camadas temporais coexistem e se contaminam mutuamente, ressoando poeticamente através dos séculos, em contraste à violência dos processos de renomeação colonial. Esta sobreposição temporal de imagens encontra sua materialização nas xilogravuras contemporâneas sobre os registros históricos em fine art, criando um palimpsesto visual entre passado e presente.

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A série "Tramas" amplifica essas questões centrais através de uma metáfora visual de particular potência, estabelecendo um diálogo orgânico com as "Paisagens Possíveis". A desconstrução das xilogravuras em tiras que se reorganizam como urdume e trama, não apenas cria um imaginário mutante da natureza, mas materializa visualmente os processos de transformação e deformação do meio ambiente pela ação humana. O “drama botânico" que percorre o trabalho, encontra aqui sua expressão mais radical, a natureza como tecido que pode ser desmanchado e retecido, porém sempre carregando as marcas da intervenção. A aproximação entre gravura e tecelagem apreende o discurso sobre tradições artísticas, trazendo a reprodutibilidade técnica da gravura com os saberes artesanais historicamente desvalorizados, criando uma concepção expandida de arte que não hierarquiza técnicas ou tradições.

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O processo se expande para o espaço público através da intervenção do lambe-lambe, fazendo uma ponte entre o espaço expositivo e o urbano, fundamental para a compreensão do conjunto, revelando uma concepção da arte pública não como decoração urbana, mas como intervenção crítica no tecido social. O espelhamento da paisagem que é a própria ilha, feito através do uso de papéis de seda, tradicionalmente material de prova e teste, traduz a inversão hierárquica que valoriza o processo do experimental sobre o definitivo. Esta escolha carrega em si, toda a narrativa da exposição, que prioriza o questionamento sobre a afirmação e o provisório sobre o definitivo.

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A instalação na sala superior funciona como síntese conceitual de todo o projeto expositivo. Ao reproduzir abstratamente a ilha com suas paisagens e exuberância vegetal, mas como se ainda não tivesse sido colonizada, conduz uma utopia visual que dialoga diretamente com as questões levantadas nas séries de gravuras. As matrizes em MDF, mantendo seu aspecto de uso, tornam-se simultaneamente monumentos de um processo criativo e arqueologia de um futuro possível. É através da matriz gravada que o artista define, os claros e escuros possíveis, exercendo um controle poético sobre a construção da imagem que ecoa o controle político sobre a construção da história. A escolha do MDF sobre a madeira natural, evitando a interferência dos veios naturais, pode ser lida como metáfora da própria arte, construção cultural que se diferencia da natureza sem negá-la.

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Um dos aspectos mais notáveis de todo este processo é a consciência crítica do artista sobre seu próprio lugar de enunciação, questão posta em todos os trabalhos da exposição. Descendente de europeus imigrantes, ele explicita sua posição de não pertencimento aos grupos historicamente subalternizados, indígenas e afrodescendentes, mas reconhece sua responsabilidade histórica como sujeito atravessado pelas violências coloniais. Esta posição, torna-se instigante e criativa ao gerar um trabalho que não se apropria indevidamente de narrativas alheias, mas que assume a urgência de repensar criticamente o papel da arte hoje na sociedade, seus questionamentos, suas responsabilidades e engajamentos políticos, através de um processo que emerge da reflexão crítica. A exposição como um todo revela-se numa concepção da arte como processo de conhecimento e transformação social. Da xilogravura que reescreve a história oficial às tramas que desmancham e refazem a natureza, do lambe-lambe que intervém no espaço urbano à instalação que imagina futuros possíveis, cada elemento contribui para um discurso coeso sobre as possibilidades e responsabilidades da arte na contemporaneidade.

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Meg Tomio Roussenq

Curadora Independente I Artista Visual

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